sexta-feira, março 23, 2007

PASSADO E FUTURO, UM ETERNO PRESENTE

O relógio bóia sobre a eternidade como inútil e desconectado objeto, sem raízes no tempo, os ponteiros girando à toa. Em nosso pulso, nas paredes, nas torres, nas gavetas, até dentro das malas, seus ponteiros estão girando sempre sobre o mesmo palco,mostrando as mesmas horas de incontáveis dias que são o mesmo tempo, sobre o qual desenham marcas imaginárias de deslocamento.Temos a ilusão de que podemos controlá-lo e evitar sua passagem, e ele passa? Um passo após o outro, movimento, ilusão de tempo decorrido. Tuas mãos estão pra sempre nas minhas, o trem continua partindo em 1972, minha mãe continua sorrindo e dizendo que meu filho é lindo em 1977, meu pai continua dizendo que eu pareço uma boneca, no dia de meu casamento, o rosto do jovem que morreu continua gelado e tristemente pálido, as primaveras continuam lindas naquele dia de chuva dos meus dezessete anos. Nada começou e nada terminou. Um eterno presente é nossa vida. Um eterno onde tudo resiste até o derradeiro momento de partirmos sem destino conhecido. Estamos amarrados uns aos outros, massa única. Nosso universo é um só compacto de existências entrelaçadas. Uma grande vibração, o primitivo e continuado som que une a tudo,sopra mensagens subterrâneas a todas as almas. Como num carrossel seguimos girando nesta roda de Sansarra.Segundo os budistas, estamos presos à roda como escravos de uma senhora implacável. Vivemos vidas depois de vidas, passando por sucessivas encarnações e só nos livraremos dela se conseguirmos transcender, chegar a uma iluminação que nos permita ascender a outras dimensões. Já meu avô, baseado nas aulas de catecismo que tivera quando garoto, tinha uma explicação mais simples que ele gostava de encenar para nós, alterando a voz na hora da fala de Jesus. " No dia do juízo fina Jesus vai vir pra terra pra ressuscitar os mortos. Aí ele vai chegar perto da minha sepultura e dizer, Hugo, levanta. E eu vou sair caminhando de corpo e alma e encontrar meus parentes e amigos. Aí vou pro céu." E pronto. Eu achava aquilo meio simples, Jesus aqui na terra chamando meu avô assim, do nada. Pois é. Mas nesse negócio de morte, mesmo os mais ateus , na hora do perigo apelam para algum socorro, nem que seja um pai de santo , valha-me alguma coisa, me ajuda Deus dos ateus.Um grande e ilusório Maya e a caverna onde estamos presos e só vemos a sombra da realidade projetada nas paredes, segundo o Mito da Caverna de Platão, são formas de ver o mundo semelhantes, por pessoas de momentos e lugares distintos. O cientista Hawkins, dizendo que tempo e espaço são a mesma coisa, num acessível livrinho,dá uns dez nós na minha cabeça, com isso que ele escreveu para leigos. Racionalmente até consegui assimilar que ambos, espaço e tempo, são como que os dois lados da mesma moeda.Assim, quando damos dez passos, esse deslocamento faz o movimento que nos dá a ilusão de tempo decorrido. Na verdade é uma ilusão. Quando vi, pelo Google Earth o planeta Terra dividido em duas partes, uma com a luz do sol e a outra sem ela, umas cidades anoitecendo e outras amanhecendo, tive uma sensação esquisita como se me faltasse o chão. Isso me revelou que dia e noite também fazem parte do ilusório que nos faz ter a impressão de que o tempo passa.Assim envelhecemos, presos a essa metáfora de existência, a uma realidade como uma alucinação coletiva, marcando nos calendários nossas referências temporais, gastando nossa visão de tanto consultar relógios, de tanto procurar nos livros aquilo que eles não podem nos dar, porque a verdadeira sabedoria reside em nós mesmos, no nosso eterno presente de todos os tempos, basta ouvir uma voz interior que teimamos em não escutar.

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