sexta-feira, março 23, 2007

HISTÓRIAS DO TEMPO DA DITADURA

TAMBÉM GOSTEI MUITO DA FASE ROMÂNTICA DO GENERAL". Esta frase está passeando em minha mente há vários dias com uma insitência quase insuportável, algo assim como um bordão que sobreviveu impávido após ter sido ouvido por meses, e depois de ter sumido pra sempre, sem ser notado, um belo dia retorna com muita força e empenho. Parece ter vida própria e está a exigir alguma providência
.
Antes dele foram as Bachianas de Villa Lobos, aquela música intrigante e sinuosa, linda, atingindo a gente nas fragilidades mais recônditas. Eu então cantava, tentando exorcisar com o canto, como se entoasse um mantra, algum demônio que estaria sem dúvida surgindo das profundezas e exigindo muita beleza e estremecimentos para transformar-se em anjo batalhador. Mas aí veio a tal frase, foi ficando, machucando, exortando para uma ação que não me sinto mais em condições de executar.
Foi nos idos dos anos setenta, quando a ditadura já baixava à condição de terminalidade, que li numa revista essa frase, dita pelo nosso Chico Buarque de Hollanda em resposta ao que dissera o Presidente Figueiredo sobre ter apreciado muito a fase romântica do compositor: "também apreciei muito a fase romântica do general."
Daqueles anos todos que pareciam não ter fim, ficaram lembranças esparsas de fatos que sobrevivem como retalhos soltos ao vento.
Uma carta vinda de Angola, aberta, com um carimbo esquisito que denunciava inspeção. A sensação de ter sido invadida e foi o fim de uma correspondência que eu iniciara com um português na mais santa inocência.
Um torneio entre professores do Estado, onde as autoridades estavam presentes, secretário de educação e outros,nuita pompa e uma interferência nos serviços de alto-falantes por conta do marido de uma professora, que estava a falar no radio amador em seu carro. No meio de um discurso, surge aquela voz parecendo vir do além: E O FEIJÃO? SUBIU DE NOVO! Fosse hoje, a platéia provavelmente cairia na risada, mas naquele tempo não. Todos, mesmo não tendo acesso ao pior que ocorria, sabiam que ali não havia lugar pra brincadeira. Foi um silêncio de túmulo e uma agitação visível naquele palco das autoridades. Felizmente tudo se resolveu.
Eu estava auxiliando na biblioteca da escola e tinha um livro em casa que contava a viagem de um jornalista à Cuba. Já estavamos nos tempos de abertura e eu achei que não teria problema em fazer uma doação pro nosso colégio. Quando contei o fato pro meu marido, ele ficou verde, depois branco e me disse: - Vai lá agora mesmo e tira este registro da biblioteca e consome com este livro!
Na Faculdade onde estudava, pessoal do interior, menos acesso a alguma infrmação mais esclarecedra,via as fotos daquels jovens como eu , naqueles cartazes em preto e branco, como assassinos procurados, escrito embaixo :TERRORISTAS Tenho a foto do mural em minha memória com eles. Todo o resto que por ali passava não ficou registrado, mas aqueles cartazes sim, como uma coisa mal resolvida que eu, como muitos outros, pela ausência total de informações, não conseguia encaixar no meu mundo então.
Minha tia que morava em Porto Alegre e trabalhava no setor público, nos alertava de "perigos", mas tinha tanto cuidado em não esclarecer com palavras mais denunciadoras que ficávamos sem saber direito o alcance deste risco. Em todo caso sabíamos que ela tinha rãzão, a gente respirava este controle, algumas coisas concretas haviam respingado em nossa cidade do interior, como a prisão de um rapaz que era do "clube dos onze" uma espécie de gurpos de guerrilha surgidos por seguidores de Leonel Brizola. E esta mesma tia me disse, quando vim tabalhar em Taquara num colégio que estava a ser inaugurado, fazendo parte de um progama de implantação da Reforma do Ensino, por convênio do MEC com o governo norteamericano: Tânia, cuidado com o Diretor do colégio, é ele quem entrega.
Muito dinheiro gasto nesta vitrine que era para empurrar a tal reforma como coisa moderna e de melhoria do ensino.
Hoje está tudo tão longe, escondido na História do Brasil, dentro de livros e velhos jornais. Mas a memória de pessoas como eu e mais velhas ainda guarda tais acontecimetos.
Entretanto a pretensa liberdade que conquistamos é também um engodo. Experimente você ter idéias originais, atitudes mais despojadas e veja o que te acontece. Em qualquer lugar, a acomodção e o individualismo é praga reinante. As pessoas estão anestesidas por esta pseudo liberdade que permite tudo de ruim, todo achincalhe com as pessoas menos favorecidas, toda a rejeição a idéias libertárias. Qualquer postura mais refratária ao vandalismo cultural e social que sofremos há décadas, será vista como atitude retrógrada ou recebida com frases tipo CAI FORA! VOCÊ QUER BAGUNÇA! VOCÊ É UMA FANÁTICA VOCÊ É UMA RETRÓGRADA, O MUNDO MUDOU!
Diante de um enforcamento como o de Saddam Hussein, que beirou a barbárie, tivemos uma bela amostra, em mini flash, de como o mundo mudou. Não vem ao caso quem ele era. Basta o fato em si. Mudam as palavras, mudam os nomes, as pessoas continuam as mesmas.

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